N.º 28 | 09.01.2022
Foto aérea tirada em 28 de abril de 2020 mostra uma visão de um local de realocação de alívio da pobreza para o povo Baiku Yao no condado de Nandan, região autônoma de Guangxi Zhuang, no sul da China. [Xinhua/Cao Yiming]
Entendendo a escalada da Nova Guerra Fria
Wen Tiejun
Wen Tiejun (温铁军) é especialista em questões rurais da China e professor da Universidade Renmin.

Diante da ideia confrontativa de "Nova Guerra Fria" lançada pelos Estados Unidos nos últimos anos, Wen Tiejun analisa o surgimento de suas características, e a evolução histórica da Guerra Fria original. Aparecendo pela primeira vez em 2001, o conceito tem suas raízes no "choque de civilizações" de Samuel P. Huntington, que defendia que as guerras no pós Guerra Fria seriam travadas entre culturas, e não entre países. Sobretudo a partir de 2018 e 2019, a Nova Guerra Fria tornou-se um conceito ideológico formulado por um grupo de político que havia vivenciado a Guerra Fria, incluindo Bannon e Pompeo. A era da Nova Guerra Fria tem sido marcada por incidentes desmedidos, incluindo o fechamento dos consulados chineses nos EUA e restrições à entrada de familiares dos quadros do Partido Comunista da China no país. Ao contrário da Guerra Fria, que se deu na fase do capitalismo industrial predominante, a Nova Guerra Fria está ocorrendo na era do capital financeiro. O sistema financeiro global é dominado pelo dólar estadunidense, que se tornou a divisa de liquidação e reserva do comércio global. Além de sua moeda, os EUA mantêm sua hegemonia através de seu sistema militar, discursivo e institucional. No entanto, a credibilidade do dólar estadunidense vem diminuindo desde a crise financeira de 2008. Por outro lado, a China aumentou sua escala de produção, expansão de capital e internacionalização do Renminbi, representando um desafio para o dólar estadunidense. Por exemplo, com a promoção da Iniciativa do Cinturão e da Rota (Belt and Road Initiative), a China estabeleceu acordos bilaterais de troca de câmbio e investiu substancialmente na África e na América Latina. Estas ações fizeram com que os EUA vissem o país asiático como seu inimigo. De acordo com Wen, devido ao culto consolidado à ideologia e às instituições estadunidenses, a China não está preparada para lidar com o desafio da Nova Guerra Fria do ponto de vista ideológico, institucional e retórico. Wen sugere que a China deve levar a sério as lições resultantes das sanções ocidentais, fazer ajustes ideológicos, de ação e estratégico diversos, e estar preparada para três anos de tempos difíceis, como propôs o governo central.

Por que não há favelas urbanas na China
Lü Xinyu
Lü Xinyu (吕新雨) é professora e diretora do ECNU-Cornell Center for Comparative Humanities, Universidade Normal do Leste da China.

O governo chinês está comprometido com a revitalização do campo e com a redução da lacuna entre as rendas urbana e rural e da discrepância entre seus processos de desenvolvimento. Lü Xinyu aponta que o problema do desenvolvimento sem coordenação entre as áreas urbanas e rurais ainda existe globalmente. Nenhum país, nem mesmo os desenvolvidos, jamais concluiu totalmente seu processo de industrialização e integração campo-cidade. Por exemplo, os conflitos raciais nos EUA atuais estão enraizados em questões agrárias e camponesas. Como a modernização do campo expulsou os agricultores das plantações do sul e em direção às cidades, as questões do campo foram transformadas em conflitos urbanos e raciais. Na China, no entanto, as pessoas não viram o surgimento de favelas urbanas, mas, em vez disso, houve um estreitamento do fosso entre as áreas urbanas e rurais. De acordo com Lü, esta realidade indica que a China não está aderindo ao caminho ocidental da urbanização. Dois tipos de sistemas de propriedade de terra coexistem nas cidades e no campo chineses: a terra urbana é propriedade do Estado e a terra rural é propriedade de coletivos rurais. Graças ao sistema socialista de distribuição de moradia, a habitação urbana foi igualmente comercializada e capitalizada para que todos tivessem um lugar para viver. Nas áreas rurais, desde que o sistema de responsabilidade contratual foi oficialmente estabelecido em 1982, a propriedade coletiva de terras rurais tem sido uma parte essencial do sistema socialista chinês, no qual os direitos de propriedade de terra dos camponeses e da comunidade são protegidos. A China está atualmente impulsionando a transferência dos direitos de gestão sobre as terras rurais contratadas, a fim de maximizar um retorno cada vez maior sobre as terras rurais ociosas, resultantes da migração rural para as cidades. A autora adverte que a mudança poderia levar ao surgimento de favelas nas cidades chinesas se um grande número de agricultores sem terra fluísse para as cidades sem emprego. Ela propõe um conceito de "Neorruralismo" como uma forma de reconstruir as relações urbano-rurais e abordar o problema do desenvolvimento descoordenado.

A política por trás do “metaverso”
Xiong Jie
Xiong Jie (熊节) é pesquisador sênior e especialista em transformação digital do Instituto de Desenvolvimento de Qualidade de Sichuan.

A lei antimonopólio viu sua primeira emenda em 13 anos, respondendo especificamente às práticas monopolistas da economia digital. Embora existam especialistas do Direito os quais afirmam que as penalidades antimonopólio para plataformas digitais não funcionam, Xiong Jie contra-argumenta em uma entrevista que a governança na China sempre foi um processo de orientação, experimentação e resposta. Esta lei se tornará um novo desafio para as plataformas, sobretudo em termos da definição e gestão da propriedade dos dados. Uma vez que os dados e o tráfego são criados pelos usuários, e as empresas da plataforma também são coletores e usuários deles, onde estarão os limites de seu uso? A legislação ajuda a ensinar ao público, às plataformas e a todas as partes envolvidas sobre os "jogos" de que todos estão participando. Nesse processo, os limites são esclarecidos e novas regras são geradas, e isso é uma manifestação da democracia socialista. Recentemente, o conceito de "metaverso" (元宇宙 yuán yǔzhòu) – impulsionado pelo fundador do Facebook Mark Zuckerberg – tem atraído muita atenção. Segundo Xiong, esse conceito é parte de uma mentalidade colonial que procura criar uma "terra sem lei", a fim de definir as regras e monopolizar a sua interpretação. Na China, a internet não consiste em um lugar fora do âmbito normativo, mas sim uma parte integrante de todo o espaço social, e o país tem que regulamentá-la com o princípio da justiça, da democracia e da prosperidade comum. Embora promovam o "espírito da livre internet", gigantes ocidentais do setor têm intervindo na política, manipulado eleições presidenciais, e mantido laços estreitos com o governo e os militares. O Google, por exemplo, está intimamente associado à pesquisa financiada pelos militares estadunidenses. Xiong acredita que a raiz da governança da internet está na racionalização dos direitos de propriedade dos dados, e na distribuição dos direitos de posse, uso, alienação e receitas derivadas destes. Em comparação com o Ocidente, a China tem a vantagem de possuir um sistema político que lhe permite fazer inovações e avanços a partir dos interesses fundamentais do maior número de pessoas, usando um modelo de governança científica e as vantagens da infraestrutura de informação.

O desafio do programa Starlink para a segurança espacial internacional
Yu Nanping
Yu Nanping (余南平) é professor do Instituto de Relações Internacionais e Desenvolvimento Regional da Universidade Normal do Leste da China.
Yan Jiajie
Yan Jiajie (严佳杰) é doutorando no Instituto de Relações Internacionais e Desenvolvimento Regional da Universidade Normal do Leste da China.

Satélites da SpaceXfabricante aeroespacial estadunidense fundada por Elon Musk – se aproximaram da estação espacial chinesa duas vezes em 2021, colocando em risco a segurança e a saúde dos astronautas a bordo. O programa Starlink, o conjunto de satélites de internet proposto pela SpaceX em 2015, trata-se de um passo fundamental na implementação do plano espacial estratégico dos Estados Unidos. O programa espera lançar 12.000 satélites de órbita baixa da Terra (LEO, por sua sigla em inglês) até 2027, atingindo um total de 42.000 satélites na terceira fase do projeto. Até 24 de março de 2021, a empresa havia lançado com sucesso 25 lotes, em um total de 1.385 satélites. Yu Nanping e Yan Jiajie observam que o impacto do programa Starlink sobre as questões de segurança nacional e internacional não recebeu atenção suficiente. Com um relacionamento de longa data com os militares estadunidenses, a SpaceX adotou um modelo "civil voltado para o militar" (民转军用 mín zhuǎn jūnyòng) em vez do "militar voltado para o civil" ( 军转民用 jūn zhuǎn mínyòng) característico da indústria aeroespacial estadunidense no século XX. Por exemplo, em 5 de outubro de 2020, a SpaceX assinou um contrato de 149 milhões de dólares estadunidenses com a Agência de Desenvolvimento Espacial do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, com o objetivo de construir para os militares quatro satélites de detecção e rastreamento de mísseis balísticos e mísseis hipersônicos. O programa Starlink, portanto, tem implicações estratégicas e militares significativas por trás dele. Se este programa for aplicado em grande escala às Forças Armadas dos Estados Unidos, aumentará ainda mais as suas capacidades de comunicações por satélite e de combate não pilotado. De acordo com os autores, os mais de 40.000 satélites – o equivalente a 40.000 câmeras fotográficas de alta definição lançadas no espaço permanentemente – podem representar uma enorme ameaça à segurança e à defesa nacional de outros países. Todos os satélites que cobrem um país terceiro são qualificados para realizar serviços de internet via satélite dentro desse território, sem estarem sujeitos a sua supervisão e regulamentação nacional. Portanto, o Starlink, como um serviço de internet via satélite dos Estados Unidos, pode obter informações sobre outros países, desafiando sua soberania nacional. O grande número de satélites do programa Starlink representará um enorme desafio para o uso pacífico do espaço sideral, ameaçando a existência de outros satélites e comprometendo o plano da humanidade de lançá-los em órbitas superiores. Também irá pôr em significativo risco a exploração e a pesquisa científica da comunidade astronômica, o que afetaria negativamente a prevenção de desastres naturais e a observação meteorológica.

O Legado de Zhou Enlai na Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI)
Han Tongyou
Han Tongyou (韩同友) é membro do Comitê Permanente do Comitê do Partido e vice-presidente da Universidade Normal de Huaiyin.
Xu Zhengfei
Xu Zhengfei (徐正飞) é diretor do Escritório de Assuntos Acadêmicos do Instituto de Tecnologia de Huaiyin.

O dia 8 de janeiro deste ano marca o 46º aniversário do falecimento do primeiro-ministro Zhou Enlai. Em seu artigo, Han Tongyou e Xu Zhengfei assinalam que, durante seus mandatos como Primeiro Ministro (1949-1976) e Ministro das Relações Exteriores (1949-1958) da República Popular da China (RPC), Zhou visitou pessoalmente mais de 18 países ao longo do "Cinturão e Rota" (一带一路 yīdài yīlù), tradicionalmente conhecido como Rota da Seda, e estabeleceu relações diplomáticas com mais de 36 países. Isso criou um novo caminho para a diplomacia chinesa e teve um impacto prático na implementação da nova Iniciativa do "Cinturão e Rota" (BRI, por sua sigla em inglês) e na promoção de uma comunidade de futuro compartilhado pela humanidade (人类命运共同体 rénlèi mìngyùn gòngtóngtǐ). Han e Xu destacam três características principais das atividades diplomáticas de Zhou ao longo do Cinturão e Rota. Em primeiro lugar, Zhou sintetizou patriotismo e internacionalismo. Nos primeiros anos da fundação da RPC, o país havia adotado uma política externa desequilibrada, apenas construindo relações internacionais dentro do campo socialista. Zhou defendeu o espírito do internacionalismo, a estruturação de uma frente unida, e o apoio ativo à independência e às lutas de libertação do então chamado Terceiro Mundo, tais como as resistências à França no Vietnã, aos Estados Unidos na Coreia, e ao Reino Unido e à França no Egito. Ele também ajudou a fornecer assistência econômica e técnica ao Vietnã, Mongólia, Camboja e outros países asiáticos e africanos, e apresentou os Oito Princípios da Cooperação Técnica e Econômica, incluindo a não imposição de quaisquer condições. Em segundo lugar, Zhou enfatizou a importância do aprendizado e defendeu a apreensão das lições obtidas a partir dos pontos fortes de todos os países – não apenas da União Soviética, mas também dos pacíficos e neutros. Por exemplo, ele aconselhou aos artistas do Grupo de Música e Dança de Xinjiang em viagem à África que aprendessem do continente a partir de uma mente aberta e sem um ponto de vista vertical. Em terceiro lugar, Zhou Enlai empenhou-se em criar um ambiente internacional pacífico e estável. Com base nos preceitos de Lênin, Zhou apresentou criativamente os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica (和平共处五项原则 hépíng gòngchǔ wǔ xiàng yuánzé), os quais aplicou para resolver problemas de fronteira com países vizinhos, como Myanmar, Nepal e Afeganistão. Os autores assinalam que as ideias diplomáticas de Zhou influenciaram profundamente a política chinesa. Entre elas, as concepções do líder quanto à coexistência pacífica e ao desenvolvimento comum são os objetivos fundamentais e de longo prazo do atual BRI chinês. Além disso, a visão de Xi Jinping de "construir uma comunidade de futuro compartilhado pela humanidade" é também uma continuação das ideias de diplomacia pacífica de Zhou.

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