N.º 33 | 20.02.2022
O Presidente argentino Alberto Fernández visita o Museu Memorial do Presidente Mao Zedong em 5 de Fevereiro de 2022. [Casa Rosada]
A Iniciativa do “Belt and Road” no contexto da cooperação sino-latinoamericana: conquistas e desafios
Cao Ting
Cao Ting (曹廷) é pesquisadora associada do Instituto de Estudos Latino-Americanos, Instituto Chinês de Relações Internacionais Modernas

Contexto

Em 6 de fevereiro, a Argentina e a China assinaram uma série de acordos de cooperação, incluindo um memorando de entendimento (MoU, por sua sigla em inglês) para promover conjuntamente a Iniciativa de Cinturão e da Rota (Belt and Road Initiative ou BRI, por sua sigla em inglês). Contra o pano de fundo da deterioração das relações China-EUA e do retorno da Doutrina Monroe, os Estados Unidos aumentaram sua intervenção nos países latino-americanos, e as relações entre a China e alguns destes se estreitaram. O artigo de Cao Ting analisa os resultados da crescente cooperação entre a China e a América Latina através do BRI desde que Xi Jiping assumiu a liderança do país asiático em 2012, e o que tem impulsionado esta tendência.

Pontos-chave

  • Desde 2012, 21 países latino-americanos assinaram memorandos de entendimento com a China sobre a iniciativa BRI.
  • O investimento da China na América Latina tem mudado da dependência dos recursos energéticos para o aumento da cooperação industrial voltada para promover a produção diversificada, expandindo-se para áreas emergentes, como indústria inteligente, energia e comunicações. Desde agosto de 2021, os países da América Latina e Caribe estabeleceram 34.633 empresas na China e investiram US$ 237,05 bilhões no país.
  • A China continua a acelerar a cooperação em infraestrutura nos países da América Latina, especialmente nas áreas de energia, transporte e TI. Por exemplo, a Huawei possui nove centros de dados na região: dois no Brasil, Chile, Peru e México cada um, e um na Argentina. Isto é mais do que qualquer outro fornecedor de nuvens públicas.
  • A cooperação financeira entre a China e a América Latina continua a se aprofundar. A China criou bancos de compensação de RMB na Argentina e no Chile, e sete países, incluindo Brasil, Argentina e Chile aderiram ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, por sua sigla em inglês).
  • Da perspectiva da China, a cooperação entre o país e a América Latina pode ajudar em sua própria transformação econômica e desenvolvimento futuro. Para a América Latina, um dos benefícios é que o BRI aumentou o livre fluxo de bens, capital, serviços e mão-de-obra na região através da construção de infraestrutura, o que acelerou a integração latino-americana.

Resumo

Segundo Cao Ting, a cooperação entre a China e os países latino-americanos também está enfrentando desafios, como a falta de conhecimento do país asiático sobre as condições e sistemas domésticos do continente. As diferenças entre os países latino-americanos e as normas chinesas em matéria de tributação, trabalho, proteção ambiental e normas legais têm criado dificuldades na cooperação. A cooperação entre a China e a América Latina, no entanto, tem uma base sólida e um enorme espaço para o crescimento. A China e os países latino-americanos devem cultivar uma cooperação de alta qualidade; um exemplo disso é a construção de uma "Rota da Seda verde" para criar uma série de projetos de cooperação piloto que promovam o desenvolvimento econômico local, assim como protejam seu meio ambiente e beneficiem a população. Com o objetivo de explorar os motores comuns de crescimento econômico, a cooperação sino-latino-americana poderia ser um bom modelo para fomentar o desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento.

Como a COVID-19 aumentou a confiança do povo chinês no governo
You Yu
You Yu (游宇) é professor associado da Escola de Assuntos Públicos, Universidade de Xiamen
Ma Deyong
Ma Deyong (马得勇) é professor do Departamento de Ciência Política, Escola de Relações Internacionais, Universidade Renmin da China
Chen Chao
Chen Chao (陈超) é professor associado da Escola de Assuntos Internacionais e Públicos, Universidade Jiaotong de Xangai

Contexto

A COVID-19 converteu-se em um teste decisivo de viabilidade dos governos a partir dos desafios à proteção de seus cidadãos e, portanto, teve implicações sobre o nível de confiança de seu povo em tais instituições. Desde a propagação da pandemia, muitos governos ao redor do mundo mergulharam em uma crise de confiança, e as pessoas saíram às ruas para se opor às políticas governamentais. Na China, ao contrário, após a desconfiança inicial dos cidadãos no governo nos primeiros meses da epidemia, a confiança pública aumentou à medida que o controle de sua propagação se tornou mais eficaz. Com base em dados de três rodadas de "pesquisas de consciência social dos internautas", pré e pós-pandêmicas, You Yu, Ma Dayong e Chen Chao observam os mecanismos por trás da evolução dinâmica da confiança pública no governo chinês durante a crise de COVID-19.

Pontos-chave

  • No início da crise, os governos locais falharam em sua resposta, levando a um declínio significativo no nível de confiança por parte da população.
  • Em comparação com o governo central, os governos locais sofreram uma perda de confiança significativamente maior após o surto.
  • Após melhorias nas medidas de prevenção e controle da pandemia, o nível de confiança dos governos central e local aumentou acentuadamente e até superou os níveis anteriores a seu início.
  • A mudança nos níveis de confiança da população está intimamente relacionada à sua avaliação quanto à resposta do governo à pandemia e à cobertura da mídia; um nível mais baixo de resposta do governo se correlaciona com um nível relativamente mais baixo de confiança do público.
  • Os canais de informação do público também têm um efeito significativo em seu nível de confiança política. Aqueles que acessam informações e seguem noticiários políticos por meio das estações de TV chinesas têm maior confiança no governo em todos os níveis, enquanto aqueles que frequentemente navegam na mídia internacional têm menos confiança no governo.

Resumo

Segundo o artigo, ao contrário da crise da SARS de 2003, o surto da COVID-19 está ocorrendo em um momento em que o rápido desenvolvimento da rede ferroviária de alta velocidade da China aumentou a mobilidade e a migração das pessoas. O uso generalizado da mídia online elevou os níveis de participação do público na produção de notícias, criando novos desafios para responder à opinião pública e gerar confiança entre a população. O governo chinês mostrou que pode superar crises e transformá-las em êxitos, controlando a propagação da pandemia através de medidas eficazes de prevenção e restrição, ao mesmo tempo em que obtém apoio popular.

Como a China pode melhorar seu sistema de distribuição para alcançar a prosperidade comum?
Wang Shaoguang
Wang Shaoguang é Professor Emérito do Departamento de Governo e Administração Pública da Universidade Chinesa de Hong Kong

Contexto:

A China tem se comprometido a alcançar a prosperidade comum até 2050. De acordo com Wang Shaoguang, a concepção de "comum" envolve distribuição e redistribuição, enquanto "prosperidade" abarca produção e reprodução. Portanto, quando falamos de equidade, devemos levar em conta o estágio específico do atual déficit de produtividade, e assegurar um sistema de distribuição eficiente sem comprometer o desenvolvimento dos meios de produção. Wang propõe um conceito de "distribuição pré-primária"(零次分配 líng cì fēnpèi), um tipo histórico de distribuição para reduzir a desigualdade antes da distribuição primária. O artigo é a primeira parte de uma série em duas partes.

Pontos-chave:

  • A sociedade chinesa, de base ética é, de fato, fundada na ideia de "distribuição pré-primária", na qual os membros da comunidade aderem à "doutrina dos recursos comuns"(共财之义 gòng cái zhī yì) para sustentar o padrão de vida de sua comunidade. O distribuidor não é o governo, mas sim os membros da família, irmãos, parentes e amigos.
  • A "distribuição pré-primária" desempenha um grande papel na China. Por exemplo, entre 1996 e 2006, uma onda de desemprego (70 milhões postos extintos), causada pela reforma das empresas estatais, não levou a uma crise social, principalmente porque esses trabalhadores e suas famílias estavam protegidos por um apoio familiar, uma obrigação legal na China.
  • De acordo com Marx, a distribuição primária (初次分配 chūcì fēnpèi) não é regulada apenas pelo mercado, mas está intimamente relacionada com o modo de produção, relações de produção e a propriedade dos meios de produção. Também é influenciada por fatores como grandes eventos históricos, ideologias dominantes e tradições culturais.
  • Após a fundação da Nova China, a reforma agrária e a transformação socialista beneficiaram centenas de milhões de pessoas; o nível de desigualdade na distribuição primária diminuiu dramaticamente, com o coeficiente de Gini caindo de mais de 0,56 em 1949 para cerca de 0,27 antes de 1978. Isso se deve exatamente à distribuição primária.
  • A distribuição secundária (二次分配 èr cì fēnpèi) pode reduzir a disparidade de renda até certo ponto. No entanto, sua eficiência varia entre os países. Ao mesmo tempo, ela não consegue conter a tendência de ampliação do foço salarial.

Resumo

Wang sugere que o governo deva incentivar a "distribuição pré-primária" em várias políticas, tais como as de tributação, habitação e promoção do desenvolvimento de economias rurais coletivas. Comparada à distribuição secundária, a distribuição primária desempenha um papel maior na redução da desigualdade. Sob o sistema socialista com características chinesas, a distribuição primária deve aderir ao princípio do "quanto mais esforço, mais ganho" (多劳多得 duō láo duō dé), concentrando-se em proteger a renda auferida e aumentar a participação do trabalho, especialmente a participação dos trabalhadores da linha de frente na renda nacional.

Até que ponto os jovens chineses estariam dispostos a se filiar ao Partido?
Shi Yiwen
Shi Yiwen (时怡雯) é professora da Universidade de Ciência Política e Direito de Xangai. Ela pesquisa o Serviço Social no contexto da juventude

Contexto

Como a geração mais jovem da China vê o Partido Comunista da China (PCCh) e como sua vontade de ingressar no Partido mudou durante a pandemia? A partir da realização de três pesquisas (em maio e outubro de 2019 e dezembro de 2020) com 4.026 estudantes de graduação em 16 universidades em Xangai, Shi Yiwen analisa o desejo por parte destes de se filiarem ao Partido e o que influenciou tal intenção.

Pontos-chave

  • As pesquisas constataram que a vontade dos universitários de aderir ao PCCh vem aumentado gradualmente desde o 70º aniversário da fundação da República Popular da China (RPC) e seu sucesso na luta contra a pandemia. A proporção daqueles que estão "muito ávidos" para ingressar no Partido aumentou de 19,4% para 30,7%.
  • As universitárias estão mais dispostas a se unir ao Partido do que os universitários; os estudantes nascidos depois de 2000 têm um grau mais elevado de reconhecimento e apoio ao PCCh. Líderes estudantis e estudantes com notas mais altas têm um desejo mais forte de se filiarem.
  • Os estudantes das universidades comuns estão mais dispostos a aderir ao Partido do que os das melhores instituições, assim como os estudantes de formação em Ciências, Agricultura e Medicina, em oposição aos em Humanidades e Ciências Sociais.
  • Os universitários provenientes das zonas rurais têm um desejo mais forte de entrar para o Partido do que os das zonas urbanas. Como o status social e econômico dos estudantes oriundos das áreas rurais é relativamente mais baixo, a afiliação ao Partido, como um importante símbolo de capacidade e status político do indivíduo, é vista como uma vantagem na avaliação do desempenho dos universitários e na busca de emprego.
  • A familiaridade com a história do Partido aumenta a vontade de filiação, pois aumenta a compreensão e a concordância dos universitários com os conceitos fundadores e a governança do Partido, assim como com seu espírito de servir ao povo.

Resumo

Shi Yiwen asisnala que há uma tendência utilitarista na motivação dos estudantes para ingressar no Partido. No entanto, os estudantes, principalmente os nascidos após 2000, mantêm um alto grau de identificação com o PCCh e estão ansiosos para ingressar no partido. Ela acredita que os universitários, como um grupo altamente instruído, farão escolhas racionais sobre a adesão ou não ao Partido. Por meio de cursos de Política na universidade, eles terão uma compreensão mais abrangente do processo e da história do desenvolvimento do PCCh, o que também aumenta sua identificação com o Partido e sua lealdade a ele.

Como a Conferência de Gutian de 1929 influenciou o primeiro salto da sinicização do Marxismo?
Luo Ronghuan
Luo Ronghuan (罗荣桓) é um dos fundadores da República Popular da China e do Exército de Libertação do Povo, sendo um dos Dez Grandes Marechais (十大元帅)da China

Contexto

Durante o período da fundação da Base Revolucionária da Montanha Jinggang (井冈山革命根据地 jǐnggāngshān gémìng gēnjùdì), de 1927 a 1929, os comunistas chineses aplicaram a teoria da construção partidária de Lenin às condições concretas da China, logrando os primeiros avanços na sinicização do Marxismo. Depois da Insurreição de Nanchang (南昌起义 nánchāng qǐyì), em agosto de 1927, e da Revolta da Colheita do Outono (秋收起义 qiūshōu qǐyì), em setembro do mesmo ano, a questão sobre que tipo de exército o Partido Comunista da China queria construir tornou-se cada vez mais proeminente. Em dezembro de 1929, o 9º Congresso do Partido do 4º Exército Vermelho, também conhecido como Conferência de Gutian (古田会议 gǔtián huìyì), foi realizado no município que lhe conferiu o nome, no leste da província de Fujian, visando a criticar as diversas ideologias não proletárias existentes dentro do Partido, reafirmar a orientação democrática do exército e estabelecer a liderança política do Partido sobre o exército. Luo Ronghuan, participante da conferência e ulterior membro do Birô Político do Comitê Central do PCCh, recorda esse processo histórico.

Pontos-chave

  • A caminho da Montanha Jinggang, Mao Zedong realizou a famosa "Reorganização de Sanwan" (三湾改编 sān wān gǎibiān) na aldeia de Sanwan, província de Jiangxi. O objetivo era "construir as unidades do Partido organizadas em base de companhia" (支部建在连上 zhībù jiàn zài lián shàng) para assegurar a liderança absoluta do Partido sobre o Exército Vermelho.
  • A Conferência de Gutian se opôs à ideia de "caudilhismo" (流寇 liúkòu), caracterizada pelo emprego de métodos de combate desorganizados e indisciplinados, bem como por sua objeção à criação de áreas de base sólidas. Mao criticou severamente esse erro e propôs as "três disciplinas principais " (三大纪律 sān dà jìlǜ) e "oito pontos de atenção" (八项注意 bā xiàng zhùyì), que clarificaram a disciplina militar e estabeleceram regras para as relações entre militares e civis.
  • A Conferência de Gutian resolveu o problema dos "caudilhos militares" (军阀主义 jūnfá zhǔyì). Naquela época, os oficiais militares à moda antiga puniam os soldados à vontade e criavam confrontos entre oficiais e soldados. Portanto, Mao propôs que o trabalho político fosse a linha vital do exército do povo, e ele deveria ser reforçado para assegurar que as ações das tropas estivessem em conformidade com as exigências do Partido e agissem de acordo com suas políticas. A relação entre oficiais e soldados foi substancialmente melhorada.
  • A Conferência de Gutian se opôs à visão de que a tarefa do exército era apenas combater em guerras. A educação ideológica proletária e a mobilização de massa são tão importantes quanto as tarefas militares.

Resumo

Em junho de 1929, a oposição ao ponto de vista de Mao Zedong sobre o estabelecimento de áreas de base consolidadas e o controle do Partido sobre o exército obrigaram Mao a sair de sua posição de liderança durante o 7º Congresso do 4º Exército Vermelho, realizado em Longyan, província de Fujian. Apenas depois que o comandante militar Chen Yi trouxe à tona uma carta de orientação do Comitê Central do PCCh em Xangai é que os pontos de vista de Mao foram confirmados, levando, assim, à Conferência de Gutian. As resoluções dessa conferência resumiram o sistema de comitês partidários, liderança coletiva, democratização, unidade entre o exército e o povo, e entre oficiais e soldados – políticas que o Exército de Libertação do Povo continua até os dias de hoje.

(O “Vozes Chinesas” continuará a interpretar o contexto histórico e a lógica de desenvolvimento da sinicização do Marxismo)

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