N.º 47 | 05.06.2022
O professor Li Xiaoyun e funcionários agrônomos pesquisam o cultivo de culturas na Tanzânia, em março de 2018. [Universidade Agrícola da China]
O novo paradigma da ajuda externa da China na África
Li Xiaoyun
Li Xiaoyun (李小云) é professor no Colégio de Estudos de Humanidades e Desenvolvimento, Universidade Agrícola da China

Contexto

De acordo com o Livro Branco sobre a Cooperação China-África (2021), entre 2013 e 2018, a ajuda externa da China foi de 270,2 bilhões de yuans, dos quais 45% foram fornecidos à África. No entanto, a ajuda internacional do país é frequentemente mal compreendida e injustificadamente criticada pelo Ocidente. Através do estudo de campo dos Centros de Demonstração de Tecnologia Agrícola da China, ou ATDC, por sua sigla em inglês, na África, Li Xiaoyun explica como a Demonstração de Novo Desenvolvimento, com base na própria experiência de um país, contribui para o desenvolvimento agrícola na África e é superior ao modelo de ajuda ocidental.

Pontos-chave

  • A ajuda ao desenvolvimento ocidental se baseia em um quadro teórico que combina neoliberalismo e neo-institucionalismo, uma abordagem para explorar como as instituições restringem as escolhas e ações dos indivíduos. A ideia é que a pobreza global é o resultado de sistemas de governança política deficientes, e que mudá-los e prestar serviços aos pobres exige o desenvolvimento de um sistema capitalista industrial. Essa lógica clássica de desenvolvimento tem sido usada para justificar o colonialismo ocidental ao ajudar a "civilizar" sociedades subdesenvolvidas.
  • A ajuda ocidental, como uma das principais formas de expansão de sua cultura, é fornecida aos países em desenvolvimento apenas sob fortes condicionalidades. Em comparação, o modelo de ajuda chinesa é um processo de transferência e localização de suas experiências de desenvolvimento similares, sem quaisquer condicionalidades políticas prévias.
  • No final dos anos 70, a China introduziu o sistema de responsabilidade doméstica (家庭联产承包责任制 jiātíng lián chǎn chéngbāo zérèn zhì). Em 1985, especialistas de agricultura chineses usaram a mesma abordagem para desenvolver três áreas de recuperação de arroz em Burkina Faso, com direitos de propriedade da terra indo para o Estado e direitos de uso da terra sendo divididos entre os camponeses. Depois de 2000, o modelo, que era liderado por centros de demonstração agrícola com treinamento técnico, tornou-se a principal forma de ajuda agrícola da China ao continente africano.
  • A ajuda chinesa não segue as normas da ajuda ao desenvolvimento da OCDE aos países em desenvolvimento, mas responde a demandas especiais destes. Enquanto isso, o país se concentra no papel de liderança dos governos e usa meios comerciais e tecnologia moderna para melhorar a sustentabilidade do desenvolvimento.

Resumo

Li assinala que, motivados pela missão nacional e pelos interesses econômicos, os ATDCs da China e os países africanos estabeleceram uma relação mutuamente benéfica. Os centros de demonstração assumiram a missão nacional de orientar as empresas chinesas no setor agrícola africano para investimentos, e fornecer treinamento tecnológico e técnicas de demonstração em larga escala. Essa metodologia tem inspirado os africanos a começar a refletir sobre seus próprios problemas de desenvolvimento e a explorar o caminho de desenvolvimento de sua própria agricultura.

A relação entre o Estado e os camponeses na luta contra a pobreza
Zhou Feizhou
Zhou Feizhou (周飞舟) é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Pequim

Contexto

Desde o ano de 2021, a China vem avançando em sua estratégia de revitalização rural (乡村振兴 xiāngcūn zhènxīng), depois de ter conseguido a erradicação da pobreza absoluta. Por meio de pesquisas em aldeias pobres em todo o país entre 2018 a 2020, Zhou Feizhou constata que a campanha de alívio da pobreza demonstra uma relação entre o Estado e os camponeses que reflete o Socialismo com características chinesas – a relação da "família e Estado como um só" (家国一体 jiā guó yī tǐ).

Pontos-chave

  • No pensamento tradicional chinês, o Estado é o progenitor e os camponeses são o seu próprio povo (子民 zǐ mín). Ao mesmo tempo, o Estado, como "família grande", precisa cuidar de muitas "famílias pequenas". A luta da China contra a pobreza sempre foi liderada pelo governo, em cujo contexto os quadros da linha de frente (扶贫干部 fúpín gànbù) representam o Estado. A relação entre o Estado e os camponeses na campanha adveio da, mas também mudou a relação tradicional entre a família e o Estado, destacada pela atual dinâmica camponês-Estado (ou camponês-quadro do PCCh).
  • Como "pioneiro" no alívio da pobreza, o investimento em infraestrutura da China ajuda a introduzir capital e tecnologia externos em áreas rurais remotas. Isso, por sua vez, permite que os camponeses encontrem empregos fora das vilas. Por sua vez, o desenvolvimento das indústrias locais ajuda aqueles que não podem sair de suas comunidades a gerarem renda localmente.
  • A maioria das indústrias baseadas em vilas menos desenvolvidas são de mão-de-obra intensiva, e a maior parte da força de trabalho deixada para trás nas áreas rurais são idosos e mulheres. O Estado direciona o capital corporativo para administrar os níveis superior e inferior das cadeias industriais, deixando as cadeias produtivas médias para os camponeses, cuja operacionalização é controlada por famílias. A forte "base social" do campo é mantida com cuidado.
  • A “oficina de alívio da pobreza" (扶贫车间 fúpín chējiān) na vila de Gujia, província de Hebei, é um bom exemplo do alívio da pobreza industrial liderado pelo governo. A oficina oferece oportunidades de trabalho para mulheres locais que foram deixadas para trás. Considerando suas necessidades de atendimento às famílias, a gestão é flexível no tempo e observa com cuidado o folclore e costumes. Essa oficina acabou se enraizando no campo e ajudou as empresas a transformar as perdas em lucros.
  • Para aqueles que têm capacidade para trabalhar, mas estão presos na pobreza por motivos como falta de motivação ou habilidades incompatíveis, o país conta com o apoio de quadros do PCCh alocados nas vilas, bem como com moradores locais para fornecer as ferramentas necessárias para os inspirar a trabalhar. As políticas em si mesmas não podem resolver facilmente os problemas de "pobreza oculta", os quais decorrem de relacionamentos familiares rompidos, por exemplo, pela separação devido à migração de membros da família em razão de questões laborais. Parte do trabalho de combate à pobreza é promover a ética familiar e práticas sociais mais saudáveis.

Resumo

O autor destaca que a luta contra a pobreza revelou um aspecto muito singular da relação entre o Estado e os camponeses: o Estado apoia os camponeses e os inspira a passar de responder a ele para amá-lo. Ao mergulhar no campo, o governo não apenas ajudou a manter a estrutura social rural familiar, mas também deu aos camponeses e às famílias do campo o impulso e o apoio para participar de sua revitalização.

Por que menos mulheres chinesas querem ter filhos?
Wei Nanzhi
Wei Nanzhi(魏南枝)é pesquisadora associada do Instituto de Estudos Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais (CASS)

Contexto

Entre todas as principais economias globais, a China tem uma das maiores taxas de emprego feminino (60,57% em 2019). Recentemente, o governo chinês introduziu uma política de terceiro filho, desencadeando uma discussão acirrada sobre como encontrar um equilíbrio entre carreira e família e como proteger os direitos e interesses das trabalhadoras. Como mãe nascida na década de 1970, Wei Nanzhi analisa o desenvolvimento da emancipação das mulheres chinesas nos últimos 70 anos desde a fundação da República Popular da China, e as complexas razões pelas quais muitas mulheres chinesas estão relutantes em ter filhos.

Pontos-chave

  • As mulheres são uma grande força a ser considerada na causa revolucionária, uma importante lição exemplificada pela liderança do Partido Comunista da China (PCCh) nas revoluções chinesas. O auge do status das mulheres na China ocorreu durante a era do Mao Zedong. Por meio de equipes de produção (生产队 shēng chǎn duì) nas áreas rurais e instituições (单位 dān wèi) nas cidades, as mulheres podiam acompanhar os homens para participar do trabalho social e produtivo. A existência de creches em centros urbanos ou organizações rurais de ajuda mútua para crianças desempenhou um papel fundamental no apoio às trabalhadoras.
  • Após a Reforma e Abertura, os sistemas de apoio social, como creches, desapareceram. As mulheres se tornaram mães em tempo integral ou recorreram às sogras para cuidar dos filhos. Isso faz com que as mulheres voltem à estrutura tradicional das relações familiares, que é mantida pelos direitos de propriedade. Nestas circunstâncias, não é apenas o marido, mas também a sogra que tende a pedir às jovens que desempenhem um papel tradicional. Nesse sentido, a emancipação das mulheres chinesas sofreu um retrocesso.
  • Existem duas visões extremas na discussão atual do feminismo na China: uma é competir com os homens em todos os aspectos, o que é, de fato, um endosso da supremacia masculina. A segunda é ser completamente antagônica aos homens, o que inclui a recusa a casar e ter filhos. Mas a questão da emancipação feminina e da mudança social precisa levar em conta as normas sociais, e o problema não pode ser resolvido simplesmente por meio da ampliação do antagonismo de gênero.
  • A essência da recusa em ter filhos é baseada em lógica econômica, ou seja, mais pessoas custarão mais para administrar. Na relação tradicional entre sogra e nora chinesas, a geração mais jovem de mulheres é reprimida e, depois de aceitar a lógica econômica moderna, a recusa de ter filhos se torna uma forma de rebelar-se contra a repressão tradicional.

Resumo

A autora ressalta que, como país socialista, o governo e o povo chineses deveriam promover conjuntamente a proteção dos direitos da mulher. Além de melhorar leis como a Lei do Matrimônio e a Lei do Trabalho, também é necessário empoderar as mulheres. O governo deve reconstruir os serviços públicos e as organizações de solidariedade social que lhes dão apoio. Por outro lado, é importante estimular ainda mais a energia de 700 milhões de mulheres, e construir mais consenso entre elas, a fim de que tenham mais espaço para equilibrar sua vida pessoal e seu trabalho.

O confronto entre a coalizão Indo-Pacífico dos EUA e a cooperação Ásia-Pacífico da China
Tian Feilong
Tian Feilong (田飞龙) é professor associado do Instituto de Estudos Avançados e da Escola de Direito da Universidade de Beihang

Contexto

No contexto do conflito russo-ucraniano, os Estados Unidos estão promovendo ativamente a "estratégia Indo-Pacífico" através de uma série de meios diplomáticos. Tian Feilong acredita que a viagem de Biden à Ásia não trará paz e desenvolvimento, e levará, ao contrário, a uma situação geopolítica mais arriscada.

Pontos-chave

  • A estratégia geopolítica dos Estados Unidos frente à China e à Rússia como seus principais adversários foi planejada por muito tempo. Os Estados Unidos haviam considerado a política de "aliar-se à Rússia para conter a China". Dada sua política interna, a miríade de divergências com a Rússia, e o foco na manutenção de sua hegemonia global, a elite governante americana finalmente decidiu atacar simultaneamente e lutar em duas frentes.
  • A "Frente Ocidental" da hegemonia dos Estados Unidos se baseia no sistema da OTAN e no liberalismo atlântico, e seu alvo geopolítico é a Rússia. O conflito na Ucrânia é uma consequência geopolítica da expansão da OTAN para o leste. O objetivo da operação militar especial da Rússia era tentar reconstruir um sistema de equilíbrio, ordem e segurança baseado nos princípios de defesa da soberania nacional e do multilateralismo. Entretanto, os Estados Unidos e a OTAN aumentaram o fornecimento de armas à Ucrânia e estão exacerbando a situação ao admitir a Suécia e a Finlândia na aliança.
  • A China é o alvo geopolítico da "Frente Oriental" da hegemonia dos Estados Unidos, empenhados em criar uma estrutura de "Estratégia Indo-Pacífico" para cercar e conter o país asiático, tentando impedir sua contínua ascensão e o desenvolvimento de sua liderança política regional. Entretanto, a situação geopolítica na "Frente Oriental" é mais complexa do que na "Frente Oeste" e há um risco de fracasso para a Estratégia Indo-Pacífico dos Estados Unidos.
  • O Quadro Econômico Indo-Pacífico (IPEF, por sua sigla em inglês) não é uma simples alternativa à Parceria Trans-Pacífico (TPP, por sua sigla em inglês), mas um novo projeto da estratégia hegemônica global de Biden. O IPEF é centrado nos Estados Unidos e visa a fragmentar as cadeias industriais Indo-Pacífico/Ásia-Pacífico e criar conflitos geopolíticos.
  • Um grande número de países em desenvolvimento e países desenvolvidos que não estão alinhados com a estratégia dos Estados Unidos e preferem um desenvolvimento pacífico tem uma compreensão profunda, e até mesmo uma experiência direta, de sua hegemonia e de seus perigos a longo prazo. Eles têm uma necessidade legítima de contrabalanceá-la, e seguir um caminho de desenvolvimento independente e soberano. É por isso que 149 países assinaram acordos de cooperação com a China sob a Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative), com base nos princípios do multilateralismo e da independência de nações soberanas.

Resumo

Na luta contra a hegemonia dos Estados Unidos, a China não defende apenas por sua própria segurança e desenvolvimento, mas também interesses fundamentais de todos os países e povos oprimidos e reféns. Aderindo a um caminho de desenvolvimento pacífico, a China não é um país isolado, nem pode ser facilmente isolada. Os valores da paz e de uma comunidade com um destino compartilhado para a humanidade (人类命运共同体 rénlèi mìngyùn gòngtóngtǐ) são opostos às políticas imperialistas baseadas na diplomacia da Guerra Fria, na contenção dos adversários e no unilateralismo.

Como a priorização do desenvolvimento da indústria pesada acelerou a transição socialista da China?
Zhu Jiamu
Zhu Jiamu (朱佳木) é presidente da Associação de História Nacional da República Popular da China e ex-vice-presidente da Academia Chinesa de Ciências Sociais

Contexto

Após a fundação da República Popular da China em 1949, os líderes chineses previram que a transição da nova democracia para o Socialismo levaria de 10 a 15 anos; no entanto, foram necessários apenas três anos (1953-1956). Zhu Jiamu analisa como o PCCh adotou a estratégia de priorizar o desenvolvimento da indústria pesada, de acordo com o preceito marxista de que "deve ser dada prioridade ao desenvolvimento das indústrias geradoras de meios de produção". Ele destaca que foi essa estratégia que acelerou a transição socialista e a industrialização da Nova China.

Pontos-chave

  • O PCCh decidiu concluir a transição para o Socialismo antes do previsto, tanto em resposta à necessidade de priorizar a indústria pesada para desenvolver as forças produtivas, quanto à assistência da União Soviética para apoiar as prioridades econômicas da China.
  • Por volta de 1952, por meio de repetidas comparações e discussões sobre os caminhos de industrialização da União Soviética e dos países capitalistas, a China abandonou sua ideia anterior de desenvolver a indústria leve antes da indústria pesada e propôs o "Primeiro Plano Quinquenal" (“一五”计划 “yīwǔ” jìhuà), aprendendo com a experiência soviética e priorizando o desenvolvimento das indústrias pesada e de defesa. Este plano recebeu garantias explícitas de assistência por parte da União Soviética.
  • O desenvolvimento da indústria pesada exigiu um grande investimento de capital, e a base industrial muito fraca da China tornou ainda mais necessária a implementação de uma economia planejada altamente centralizada para que o capital limitado e outros recursos pudessem ser concentrados na construção da indústria pesada. Como resultado, a China acelerou a transformação da indústria e do comércio capitalistas em empresas estatais e cooperativas agrícolas.
  • Em 1957, a produção industrial da China representava 56,7% de sua produção industrial e agrícola bruta, o que respondia por cerca de 60% da meta de industrialização socialista do PCCh no período de transição. Além disso, ao final do Primeiro Plano Quinquenal, a China lançou as bases iniciais para o estabelecimento de um sistema industrial independente e completo. A tarefa do período de transição foi cumprida antes do previsto.

Resumo

O ponto de partida para uma rápida transição ao Socialismo está na adaptação das relações da produção interna e do sistema econômico às necessidades da estratégia de priorizar o desenvolvimento da indústria pesada, quanto rápido possível. A China aproveitou a oportunidade favorável da desescalada da Guerra da Resistência à Agressão dos EUA e Ajuda a Coreia (抗美援朝 kàng měi yuán cháo) e a promessa da União Soviética de auxiliá-la na construção do Primeiro Plano Quinquenal para acelerar a industrialização. De 1953 a 1956, a produção industrial total do país aumentou em média 19,6% ao ano, enquanto sua produção agrícola total teve um acréscimo médio de 4,8% ao ano. As conquistas resultantes da priorização do desenvolvimento da indústria pesada lançaram uma base importante para continuar o desenvolvimento da modernização socialista com características chinesas.

(O “Vozes Chinesas” continuará a interpretar o contexto histórico e a lógica de desenvolvimento da sinicização do Marxismo)

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