N.º 45 | 22.05.2022
As sanções financeiras impostas pelo Ocidente à Rússia oferecem à China uma oportunidade rara para compreender e planejar o futuro. [China Daily]
As implicações das sanções do Ocidente contra a Rússia para a China
Yu Yongding
Yu Yongding(余永定)é membro da Academia Chinesa de Ciências Sociais, e ex-membro do Comitê de Política Monetária do Banco Central chinês

Contexto

Desde a eclosão do conflito militar russo-ucraniano, os Estados Unidos e seus aliados têm tentado criar uma forte turbulência financeira, impondo sanções financeiras à Rússia, a fim de deter a ação militar russa ou mesmo induzir a uma mudança de regime. De acordo com a análise de Yu Yongding, as sanções financeiras não corresponderam às expectativas do Ocidente. As sanções financeiras ocidentais lembram à China, que tem cerca de US$ 3,2 trilhões em reservas cambiais estrangeiras, e é o segundo maior credor dos Estados Unidos, a necessidade de planejar com antecedência e pensar seriamente em maneiras de preservar a segurança financeira da China.

Pontos-chave

  • Geralmente, as guerras financeiras começam com um ataque à moeda de um país ou uma região, como foi o caso da crise financeira de Hong Kong de 1998. Os Estados Unidos, a União Europeia e seus aliados anunciaram no fim de semana de 27 de fevereiro que congelariam as reservas de divisas da Rússia. Seu objetivo era impossibilitar o acesso do Banco Central da Federação Russa ao seu "baú de guerra" de US$630 bilhões para estabilizar o rublo, que caiu drasticamente depois que a Rússia lançou ações militares na Ucrânia, em fevereiro.
  • A Rússia conseguiu estabilizar o rublo em menos de um mês (28 de fevereiro a 24 de março) através de contramedidas como aumentos das taxas de juros, controles de capital, e exigindo que os países que apoiam as sanções comprassem petróleo em rublos. As sanções provenientes do Ocidente falharam em grande parte no curto prazo.
  • As sanções financeiras dos Estados Unidos e seus aliados evidenciam que o sistema financeiro global e o dólar estadunidense têm sido armados em instrumentos geopolíticos. O comportamento nefasto do país no congelamento das reservas cambiais não apenas prejudicou seriamente sua credibilidade mundial, como também abalou a base de crédito do sistema financeiro internacional dominante no Ocidente.
  • Se houver um conflito geopolítico entre os Estados Unidos e a China, então os ativos estrangeiros da última serão seriamente ameaçados, especialmente suas enormes reservas. Portanto, a composição dos ativos e passivos financeiros externos chineses precisa ser ajustada urgentemente para reduzir a parcela dos ativos denominados em dólares estadunidenses em sua carteira de reservas.

Resumo

O autor assinala que não é a primeira vez que os Estados Unidos e seus aliados, os autoproclamados "defensores" das regras internacionais, congelaram as reservas de divisas de outros países. Os Estados Unidos congelaram cerca de US$ 7 bilhões em ativos mantidos em instituições financeiras estadunidenses pelo banco central afegão, alegando usar a metade deles para compensar as vítimas do 11 de setembro. As sanções financeiras do Ocidente oferecem à China uma rara oportunidade para compreender e planejar o futuro. As reservas do país asiático agora excedem substancialmente os níveis exigidos para fins de precaução ou de autoproteção contra a crise monetária. A China deveria reduzir suas posses de títulos estadunidenses no futuro, aumentar suas importações de commodities e materiais estratégicos e cortar seu excessivo cofre de guerra, e acelerar a segurança de seus ativos no exterior, especialmente as reservas internacionais.

Sob o controle de Elon Musk, Twitter pode servir de arma dos EUA para conter a China
Xiong Jie
Xiong Jie (熊节) é um especialista em governança da Internet, e o fundador de Maku Insights

Contexto

Recentemente, Elon Musk anunciou sua aquisição do Twitter e declarou sua intenção de aderir mais estreitamente aos princípios da liberdade de expressão, os quais, em uma declaração, chamou de "os alicerces de uma democracia em funcionamento". Xiong Jie faz uma análise profunda dos reais motivos de Musk para adquirir o Twitter, e do risco potencial de um Twitter liderado por ele ser usado como uma arma dos Estados Unidos para conter a China.

Pontos-chave

  • Embora afirme ser "socialmente liberal, mas conservador no âmbito fiscal", Musk na verdade se opõe à intervenção do Estado na economia em favor dos pobres e trabalhadores e à criação de sindicatos, mas, ao mesmo tempo, tem recebido bilhões de dólares em subsídios do governo nas últimas décadas, e possui laços estreitos com os militares estadunidenses.
  • Musk afirma que sua aquisição do Twitter destina-se "a proteger" a liberdade de expressão, vendendo ao público uma grande narrativa com um propósito utilitário por trás dela. Assim como o seu SpaceX's Starlink ou o Inspiration 4 Space Tourism, ele começa seus empreendimentos com histórias narrativas fascinantes, tais como "fazer dos seres humanos uma espécie multiplanetária". Muitos projetos, alegando ser filantrópicos, de fato, apenas servem aos interesses do governo dos Estados Unidos, ao passo em que empregam fundos do país.
  • O Twitter é visto como uma grande plataforma publicitária, que será uma ferramenta muito útil para expandir o panorama empresarial do Musk. Após a aquisição, Musk não mudará as características do Twitter como arma de propaganda, e poderá até tomar a iniciativa de cooperar ativamente com as agências militares e de inteligência.
  • Musk diz que quer restaurar a "liberdade de expressão" no Twitter, mas não para todos. Ele quer dar voz aos neofascistas dos Estados Unidos e aos capitalistas industriais das indústrias manufatureiras, mais notadamente a Donald Trump.
  • Desde a pandemia de Covid-19, o neofascismo tem crescido nos Estados Unidos, que espera reverter o declínio econômico provocando guerras pelo mundo. Os partidos Democrata e Republicano passaram de conflitos internos a expressões unânimes de hostilidade global. Esse movimento poderia formar uma coalizão na plataforma do Twitter graças à contribuição de Musk para o processo. Essa dinâmica irá gradualmente surgir também em outras plataformas de mídia social.

Resumo

Xiong Jie assinala que o principal objetivo estratégico do atual governo dos Estados Unidos é conter a China. O armamento do Starlink e do Twitter será um grande projeto de conluio entre governo e capital, que é o fator mais importante na decisão comercial do Musk. Há muitos falcões dentro do atual governo estadunidense e agências de inteligência que estão ansiosos para iniciar uma guerra contra a China, tais como o Secretário de Estado Anthony Blinken e o Conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan. Musk pode vir a tornar-se uma força mais perigosa se ele colaborar mais estreitamente com o governo, os militares e as agências de inteligência.

Por que a China está se concentrando no nível distrital em sua fase de urbanização?
Wen Tiejun
Wen Tiejun (温铁军) é economista e professor do Instituto de Construção Rural da Universidade Sudoeste da China

Contexto

Recentemente, a China publicou diretrizes para a urbanização com foco em municípios dos distritos, que é uma parte importante da administração de cinco níveis da China (incluindo províncias, cidades em nível de prefeitura, distritos, municípios e vilas). Metade da população da China vive em distritos, e a maioria dos 500 milhões de pessoas da população rural ainda habita em áreas rurais afiliadas a distritos. Qual é o objetivo das novas diretrizes? De acordo com Wen Tiejun, trata-se de promover a transformação do modelo de urbanização da China, de uma orientação de megacidades para um modelo urbano-rural integrado (城乡融合 chéngxiāng rónghé) em consonância com a revitalização das áreas rurais (乡村振兴 xiāngcūn zhènxīng).

Pontos-chave

• Embora o nível de urbanização tenha subido de 15% para 30% na década que se seguiu a 1985, a realidade é que a terra rural foi transformada em terra urbana, enquanto a população rural não foi urbanizada. As pessoas que trabalham nas vilas e aldeias não podiam usufruir dos mesmos benefícios previdenciários que a população urbana que nelas vive. Após a "reforma da partilha de impostos (分税制改革 fēnshuìzhì gǎi gé)", as receitas fiscais locais caíram acentuadamente e as concessões de terras tornaram-se uma importante fonte de fundos suplementares para os governos locais, com algumas áreas costeiras a receberem mais de 80 por cento das receitas do governo local das arrendamento de terras.

• No passado, a urbanização da China fora impulsionada principalmente pelo desenvolvimento de megacidades no Delta do Rio das Pérolas e no Delta do Rio Yangtze por meio da concentração de capital e trabalho em uma economia orientada para a exportação. Esse modelo de desenvolvimento, no entanto, resultou em desemprego massivo quando confrontado com crises financeiras externas. Por exemplo, o fechamento de fábricas ao longo do litoral chinês, devido à crise de 2008, resultou na merda de mais de 20 milhões de empregos.

• Atualmente, a China está caminhando em direção ao desenvolvimento da integração urbano-rural dentro da economia em nível de condado, reconhecendo a importância de manter as indústrias nos condados para fornecer emprego aos camponeses e alcançar uma urbanização local (就地城镇化 jiùdì chéngzhènhuà). Também é importante mudar velhas ideias e encorajar as populações urbanas a deixar as cidades e ir para as vilas e aldeias.

• Um exemplo é a vila de Yu, no distrito de Anji, província de Zhejiang, que foi designada como modelo provincial de prosperidade comum. A vila deixo de ser uma “economia de mineração” (矿山经济 kuàngshān jīngjì) para uma “economia ecológica” (生态经济), e desenvolveu uma indústria de lazer e turismo. Não apenas mais de 800 moradores locais estão empregados, mas 3.000 habitantes de Xangai foram atraídos para esta vila, bem como 182 estrangeiros.

Resumo

O autor destaca que esse novo tipo de urbanização deve permitir aos camponeses obter rendimentos imobiliários de longo prazo, como renda patrimonial de cooperativas coletivas. Através do desenvolvimento de novas indústrias nos distritos propícias aos objetivos de "duplo carbono" (双碳 shuāng tàn) e de promoção de empreendimentos conjuntos entre camponeses e moradores da cidade, as pessoas podem encontrar emprego em sua cidade natal para alcançar uma urbanização local. A revitalização do campo é a "pedra angular” (压舱石 yā cāng shí) para a resposta da China aos desafios da globalização, enquanto passa a um novo modelo de desenvolvimento no qual a circulação doméstica (国内大循环 guónèi dà xúnhuán) desempenha um papel dominante. A urbanização local nos distritos deve se tornar a principal direção da revitalização do campo.

Como a China estabeleceu seus sistemas de saúde e de prevenção de epidemias
Li Honghe
Li Honghe (李洪河) é professor da Faculdade de Ciências Políticas e Administração Pública da Universidade Normal de Henan

Contexto

O surto global da pandemia de Covid-19 é um grande teste do sistema de prevenção de epidemias e da capacidade de governança de qualquer país. Li Honghe analisa como o sistema de prevenção de epidemias da China foi estabelecido após a fundação da República Popular da China (RPC) e efetivamente protegeu a vida e a saúde do povo chinês.

Pontos-chave

  • De acordo com um relatório oficial de setembro de 1950, o número de incidência acumulada (发病数 fābìng shù)de várias doenças e epidemias na China era de cerca de 140 milhões de pessoas por ano, com mais de 30 mortes por mil habitantes. Mais de 50% das mortes foram causadas por doenças infecciosas evitáveis, tais como a peste, a cólera e o sarampo. O PCCh estabeleceu gradualmente a política de saúde pública de "servir os trabalhadores, camponeses e soldados, desenvolvendo uma orientação preventiva, integrando a medicina chinesa e ocidental, e combinando [política de saúde pública] com campanhas de massa".
  • Para lidar com a epidemia de esquistossomose, o PCCh e o governo central criaram uma equipe de liderança dedicada para eliminar a doença em sete anos, combinando cientistas com as massas. Para a prevenção e tratamento da tuberculose, o Ministério da Saúde promoveu a vacinação contra o Bacilo Calmette-Guérin (BCG) em 1951 e, gradativamente, implantou ambulatórios de controle da tuberculose em várias regiões. Em meados da década de 1960, a taxa nacional de prevalência de tuberculose caiu de 4% nos primeiros dias da Nova China para cerca de 1,5%.
  • A China estabeleceu organizações de saúde de base e sistemas de limpeza para melhorar o saneamento. Em Beijing, por exemplo, havia 11.125 equipes de saneamento em 16 distritos em 1951. Em resposta à guerra bacteriológica realizada pelos militares dos EUA na Coreia e no nordeste da China em 1952, o presidente Mao Zedong decidiu lançar uma campanha nacional de saúde patriótica (爱国卫生运动 Àiguó wèishēng yùndòng), defendendo "o bom hábito de higiene e limpeza para todos".
  • Um sistema profissional de prevenção de epidemias foi estabelecido desde o governo central até os níveis de base. Após a fundação da Nova China, as estações de prevenção de epidemias, que hoje se tornaram os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, foram estabelecidas primeiro nas principais estações ao longo das linhas ferroviárias nacionais e depois expandidas para todo o país. Em 1952, 147 estações de prevenção de epidemias haviam sido estabelecidas.
  • Mao também enfatizou o trabalho de saúde nas áreas rurais e nas bases. Em 1951, 91,2% de todos os condados haviam estabelecido centros de saúde, formando uma rede de prevenção de epidemias de três níveis nos níveis de condado, município e vila. Enquanto isso, trabalhadores médicos urbanos foram mobilizados para fornecer cuidados e medicamentos às áreas rurais, onde também foi estabelecido um sistema médico cooperativo.

Resumo

Graças aos esforços do PCCh e do povo chinês, a prevenção da epidemia nos anos iniciais da RPC alcançou resultados notáveis: em oito anos, a expectativa média de vida do povo chinês aumentou de 35 para 57 anos (1949-1957). A peste foi essencialmente eliminada. a taxa de mortalidade do sarampo caiu de 8,6% em 1950 para 1,6% em 1956, e epidemias como esquistossomose, malária e febre negra foram efetivamente controladas. A China eliminou a varíola em 1979 e a malária em 2020.

A história de Yangjiagou: A autocorreção dos erros é a chave para o sucesso do PCCh
Han Yuhai
Han Yuhai (韩毓海) é professor na Universidade de Pequim e vice-presidente do Instituto do Pensamento Xi Jinping sobre Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era

Contexto

Em março de 1947, o Kuomintang iniciou um ataque intenso contra a região fronteiriça de Shaanxi-Gansu-Ningxia – a base do PCCh – e o Comitê Central do partido foi obrigado a deixar Yan'an e lutar no norte de Shaanxi. Finalmente, chegou a Yangjiagou, perto do distrito de Mizhi, e ali se estabeleceu por cerca de quatro meses. Durante esse período, Mao Zedong aplicou uma análise marxista-leninista à situação sócio-econômica da China, avaliou quem eram "nossos inimigos" e quem eram "nossos amigos", e prontamente corrigiu as práticas equivocadas no movimento de reforma agrária (março de 1947 a maio de 1948). De acordo com Han Yuhai, foi a capacidade do PCCh de defender seus princípios políticos e, ao mesmo tempo, corrigir de forma flexível seus erros, que fez da Revolução Chinesa um sucesso.

Pontos-chave

  • Na "Conferência de Dezembro", realizada em Yangjiagou no final de 1947, Mao advertiu que a Revolução Chinesa havia chegado a um momento decisivo, o que significava que o Partido poderia ou ganhar ou perder. Resumindo a experiência da luta de 26 anos do PCCh, ele disse que sua maior vitória naquele momento era o suporte popular.
  • Mao declarou que o objetivo da frente unida era isolar o inimigo, não o partido, e que o PCCh havia cometido o erro de se isolar muitas vezes no passado. Por exemplo, durante o período da Grande Revolução chinesa (1925-1927), o partido se isolou do exército e dos camponeses por causa da ideologia de limpeza à direita, levando assim à derrota da Revolução.
  • Durante a Guerra Revolucionária Agrária (1927-1937), a ideologia de esquerda levou ao isolamento do partido nas cidades; embora as massas apoiassem o PCCh no campo, o partido enfatizou a importância absoluta da classe trabalhadora, ignorando as demais, e finalmente a Base Central Revolucionária (ou Zona Soviética do PCCh em 1927-1937) foi invadida pelas forças do Kuomintang.
  • Durante a reforma agrária nas áreas liberadas em 1947, o partido cometeu erros "esquerdistas", tais como a equalização absoluta da distribuição de terras e a negligência da distinção entre proprietários e camponeses ricos. Por exemplo, 22,46% das famílias de Caijiaya Village foram classificadas como classe de proprietários, muito mais do que 3% da política de reforma agrária do PCCh. Todas elas resultaram na violação dos interesses dos camponeses. O secretário do Secretariado do Noroeste do PCCh, Xi Zhongxun – futuro vice-premier e pai do atual presidente Xi Jiping – e Ren Bishi – secretário-geral do Comitê Central – criticaram a política de reforma agrária, demonstrando como ela se distanciou completamente das massas, e se os erros não fossem corrigidos, isso levaria ao fracasso da revolução.
  • Quando Mao soube disso, ficou chocado e aliviado ao mesmo tempo, começando a liderar pessoalmente o processo de retificação. No relatório da Conferência de Dezembro, ele salientou que "devemos unir firmemente os camponeses médios e não prejudicar seus interesses" e "proteger os bens dos novos camponeses ricos, dos industriais e dos empresários e suas operações legais".

Resumo

Em Yangjiagou, Mao enfatizou que era crucial distinguir entre amigos e inimigos e "deixar claro que o que queremos estabelecer é um governo de coalizão democrática, não um governo dirigido por um único partido comunista". O autor assinala que foi graças, fundamentalmente, a revolucionários como Xi Zhongxun e Ren Bishi – capazes de se erguer corajosamente quando a maioria das pessoas não era resoluta, defender os interesses fundamentais do partido e do povo, falar e corrigir os erros do partido – que, em última análise, o PCCh conquistou o coração e a mente do povo e alcançar a vitória revolucionária.

(O Vozes Chinesas continuará a interpretar o contexto histórico e a lógica de desenvolvimento da Sinicização do Marxismo)

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