N.º 50 | 03.07.2022
A África, um continente em ascensão, deve se comprometer cada vez mais com a Iniciativa do Cinturão e Rota conduzida pela China. [CGTN]

Caro leitor/a,

O Vozes Chinesas está de volta. A partir de agora, publicaremos somente dois artigos por semana, em formato semelhante ao que sempre fizemos. Esta semana, excepcionalmente, temos um resumo mais longo, baseado em um debate crítico entre acadêmicos sobre a presença chinesa na África – com seus avanços, contradições e potenciais – que acreditamos que vocês podem se interessar.

Esperamos que vocês gostem das mudanças.

—Coletivo Editorial Dongsheng

Os impactos do conflito russo-ucraniano na economia mundial
Ding Yifan
Ding Yifan (丁一凡) é pesquisador sênior do Taihe Think Tank e do Instituto de Desenvolvimento Mundial do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento do Conselho de Estado. Publicou sete livros sobre globalização econômica, euro, economia em geral, crise financeira internacional, hegemonia dos EUA, hegemonia do dólar e crise da dívida europeia. Ele editou 权力20讲 (Vinte Lições sobre o Poder), publicou dezenas de trabalhos acadêmicos e centenas de artigos em vários jornais e revistas nacionais e contribuiu para volumes internacionais sobre desenvolvimento, taxas de câmbio, proteção ambiental e comércio internacional, entre outros.

Contexto:

O conflito russo-ucraniano está tendo um impacto dramático na economia mundial. À medida que os preços globais de energia e alimentos aumentam, a inflação nos Estados Unidos, Europa e outros países desenvolvidos permanece em níveis elevados, levando à possível eclosão de uma crise financeira. Além de prejudicar sua própria economia, as sanções do Ocidente contra a Rússia não foram capazes de esmagar o país. O aumento dos preços da energia após o conflito aumentou os ganhos em divisas da Rússia e as receitas do governo. A capacidade militar da Rússia não foi afetada pelos custos da operação especial militar.

Pontos-chave:

  • No curto prazo, as indústrias de energia e militar dos EUA se beneficiaram muito do conflito russo-ucraniano, mas o conflito também ampliou os impactos negativos sobre os EUA no médio e longo prazo. Os EUA confiscaram e congelaram ativos russos, censuraram todas as opiniões pró-Rússia e silenciaram vozes críticas, como as que defendem o “Não à Nova Guerra Fria”, expondo assim a verdadeira natureza fascista dos Estados Unidos com nações soberanas.
  • Os países europeus usam uma falsa moral superior no conflito russo-ucraniano. No entanto, se o conflito for prolongado, a Europa pode se tornar o maior perdedor. A UE perderá o seu acesso à energia a preços acessíveis e a sua reputação de lugar seguro para investir, caindo numa era de agitação social causada por crises financeiras e de refugiados.
  • No longo prazo, o conflito remodelará o cenário econômico mundial. Os EUA excluíram as principais transações financeiras da Rússia do SWIFT, mas, em resposta, a Rússia exigiu que as compras de energia russa com o Ocidente sejam realizadas em rublos, o que restaurou a taxa de câmbio normal e fortaleceu a percepção de estabilidade da moeda. Com a deterioração da situação financeira dos EUA e a inevitável desvalorização do dólar, a hegemonia do dólar pode entrar em colapso.
  • Os Estados Unidos pediram a outros países que se unam na implementação de sanções contra a Rússia, e ameaçaram impor "sanções secundárias" aos países que não cooperarem. Os países do Oriente Médio têm grandes ativos em dólares, mas também têm fortes laços econômicos e comerciais com a Rússia, de onde importam mais de 80% de seus alimentos. Na verdade, os EUA não podem impor sanções como quiserem.
  • O comércio entre a Rússia e a China vem sendo realizado em moeda local há um bom tempo, e o volume de negócios continua crescendo. Para combater a "nova Guerra Fria" do Ocidente, a Rússia provavelmente convidará empresas chinesas a participar do desenvolvimento energético na Sibéria e em outras regiões e aceitará o RMB chinês como moeda de investimento.

Resumo:

Desde o conflito russo-ucraniano, a grave situação internacional provocada por Washington entre China, Estados Unidos e Rússia ganhou mais destaque. Para isolar a China e a Rússia, os EUA se retirarão da globalização econômica e tentarão estabelecer novos pactos econômicos com seus aliados, que reduzirão o comércio global, levarão a perdas para corporações multinacionais e aumentarão o peso das dívidas dos governos e a estagflação. Cada vez mais, os países em desenvolvimento precisam de investimento e assistência da China para a industrialização, em vez de produtos manufaturados de alta qualidade dos países desenvolvidos. O Ocidente também intensificará sua competição com a China e outros países emergentes por mercados na Ásia, África e América Latina, o que significa que a próxima rodada de competição de grandes potências mudará o foco para os países da Iniciativa do Cinturão e Rota.

O Déficit Cognitivo e o Reposicionamento Estratégico das Relações Sino-Africanas
Beijing Cultural Review (BCR)
Esta revista foi fundada em 2008 para fins de “Reconstrução Cultural”, dedicada a reorientar e revigorar a cultura e os valores chineses em tempos de mudança da ordem mundial, explorando o novo sistema ético e moral da China e avançando no desenvolvimento da civilização humana. A revista se tornou uma das principais plataformas para intelectuais e profissionais chineses compartilharem seus pensamentos sobre projetos socialistas na China e no mundo.
Associação de Pesquisa Científica do Sistema Eurasiano (ESSRA)
Lançada em abril de 2009, a APCSE é uma organização acadêmica nacional formada por especialistas e acadêmicos envolvidos na pesquisa científica do sistema eurasiano. Seu objetivo é promover o trabalho de pesquisa, reunir e absorver os recursos inovadores do mundo e fazer contribuições importantes para melhorar sistematicamente a capacidade de inovação da China

Contexto:

Depois que a Rússia lançou sua operação militar especial contra a Ucrânia em 24 de fevereiro, as abrangentes sanções ocidentais contra a Rússia mergulharam o sistema internacional pós-Segunda Guerra Mundial em uma crise sem precedentes. A China enfrenta o grande desafio de se reposicionar de forma independente do sistema internacional liderado pelos EUA e se unir aos países em desenvolvimento para construir um novo sistema internacional de desenvolvimento comum, de igualdade e benefício mútuo. O conflito russo-ucraniano também está empurrando a geopolítica africana para a fronteira da grande competição de poder e transformando profundamente as relações China-África.

Neste contexto, em 27 de maio de 2022, a BCR e a APCSE organizaram o seminário Crise da Ucrânia e Questões Africanas no Novo Sistema Internacional, no qual especialistas em questões africanas discutiram três temas principais: África no conflito russo-ucraniano e competição entre grandes potências, O “déficit cognitivo” e o reposicionamento estratégico das relações sino-africanas e o pivô africano na construção de um novo sistema internacional; eles delinearam a importância de um maior desenvolvimento da China e alinhamento de sua estratégia para a África.

Pontos-chave:

Primeira Questão: África no conflito russo-ucraniano e a competição entre grandes potências

Li Xiaoyun (Professor Sênior de Artes Liberais, Universidade Agrícola da China):

  • A direção atual e futura da paisagem geopolítica da África durante esta grande reestruturação do mundo unipolar é caracterizada pelos seguintes pontos: a África mantém bons laços com a China, os Estados Unidos, a União Européia, a Rússia e outros países e regiões; mas a África ainda não entrou no círculo central da competição das grandes potências. A África tende a manter diversos competidores externos, mas precisará “tomar partido” no futuro, aumentando o poder de seus recursos e as possibilidades de aproveitamento da situação geopolítica.

Zhang Hongming (Pesquisador, Instituto de Estudos da Ásia Ocidental e Africana, Academia Chinesa de Ciências Sociais):

  • O jogo geopolítico atual já substituiu a diversidade de potências externas no continente. Os Estados Unidos fortalecerão as relações com os principais países para fortalecer sua posição e tentar alcançar seus objetivos estratégicos na África. Na medida em que a competição entre a China e os EUA na África se tornou mais evidente, o momento tornou-se o melhor para testar as relações sino-africanas.

Zheng Yu (Professor, Escola de Relações Internacionais e Relações Públicas, Universidade de Fudan):

  • O conflito russo-ucraniano reforçou a rivalidade das grandes potências na África, o que poderia fazer com que a China se voltasse mais para o Terceiro Mundo em meio às crescentes tensões entre o Ocidente liderado pelos EUA e a China; também aumentou a força centrípeta do Ocidente como um todo e deslocou o comércio global para blocos comerciais regionais. A Europa e a China aceleraram suas estratégias econômicas e comerciais na África. Em termos de volume de comércio, a China está alcançando o maior parceiro comercial da África, a Europa, e superou em muito os Estados Unidos. As estratégias dos EUA e da UE não alcançaram os resultados esperados, e a China tem agora uma importante janela estratégica para atuar.

Segunda Questão: O "Déficit Cognitivo" e o Reposicionamento Estratégico nas Relações Sino-Africanas

Shu Zhan (Diretor do Centro de Estudos Africanos, Instituto de Estudos Internacionais da China):

  • Em relação à África, o impasse estratégico entre a China e Europa e Estados Unidos já vem de longa data. Mas o povo chinês ainda precisa desenvolver sua compreensão da parceria sino-africana para atender às necessidades estratégicas da África e da China. Somente tendo uma compreensão completa, seremos capazes de colocar as relações sino-africanas na direção certa.

Li Xiaoyun (Professor Sênior de Artes Liberais, Universidade Agrícola da China):

  • No que diz respeito à cooperação sino-africana, os primeiros passos foram dados na década de 1960 através do desenvolvimento da fraternidade próxima entre as nações; o segundo passo foi um maior aprimoramento da amizade sino-africana, começando na década de 1980; e o terceiro é o desenvolvimento atual da parceria econômica e social. A África ainda se encontra numa fase em que o desenvolvimento econômico é a maior prioridade. A opções de investimento, comércio e ajuda da China permanecem cruciais para manter a relação positiva entre a China e a África.
  • Quanto às preocupações com a possível insensibilidade cultural por parte da China, com ênfase estrutural nas relações econômicas, a China tem sido vista amplamente como uma “nova potência rica” no continente. Não podemos, no entanto, abandonar o papel fundamental dos nossos “irmãos ou irmãs africanos” na diplomacia chinesa. Mais importante, precisamos tratar a África como um “parceiro estratégico para o desenvolvimento” realista.

Zhang Chun (Pesquisador, Centro de Estudos Africanos, Universidade de Yunnan):

  • Duas percepções da cooperação sino-africana precisam ser mudadas: primeiro, a forma em que o Ocidente liderado pelos EUA tem respondido e administrado as mudanças das potências internacionais, reviveu a importância estratégica dos países em desenvolvimento como parte integrante da diplomacia chinesa; segundo, há uma falta de análise precisa dos benefícios da Iniciativa do Cinturão e Rota para a África e isso precisa ser remediado.
  • A importância estratégica da China para a África precisa ser melhorada; o atual quadro estratégico baseado no Fórum de Cooperação China-África precisa ser aprimorado; o nível das políticas sino-africanas precisa ser aprofundado; e novos pontos de crescimento para o comércio sino-africano precisam ser fortalecidos.

Yan Hailong (Professora do Instituto Tsinghua de Estudos Avançados em Humanidades e Ciências Sociais):

  • Os objetivos da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) são determinados pelos países participantes, mas as incertezas da Iniciativa precisam ser reconhecidas ao mesmo tempo. Aqueles que a criticaram não consideraram o fato de que a China e os países participantes estão passando por uma curva de aprendizado acentuada devido às grandes diferenças culturais e discussão ainda limitada sobre a implementação do pré-projeto.
  • Com o crescimento maciço do comércio bilateral e o influxo de capital privado sob a ICR, a China e as empresas chinesas devem continuar aprendendo e se adaptando, e levando em conta ainda mais as metas sociais e ambientais dos países participantes, além dos objetivos econômicos.

Questão Três: O Pivô Africano para Construir um Novo Sistema Internacional

Zheng Yu (Professor, Escola de Relações Internacionais e Relações Públicas, Universidade de Fudan):

  • O comércio da China com os países da ICR está crescendo rapidamente. Para reduzir os riscos geopolíticos, promover os padrões de infraestrutura chineses e integrar ainda mais a capacidade de produção chinesa com a industrialização africana, a China deve aproveitar esta janela de tempo para estabelecer o Acordo de Livre Comércio Chinês-Africano (TLC), que tem importância estratégica geopolítica e econômica.

Xu Xiangping (Presidente do Conselho de Promoção Econômica e Comercial China-África na Província de Hunan):

  • Atualmente, Hunan está promovendo a cooperação prática com a África em cooperação econômica e comercial e realizando projetos pilotos de comércio em moeda local na África.
  • Diante das dificuldades atuais, mais esforços devem ser feitos para estabelecer e melhorar dez mecanismos de longo prazo na operação, arbitragem, apoio financeiro, logística e prevenção de riscos, entre outras áreas, para a cooperação econômica e comercial sino-africana.

Wang Luo (Diretora do Instituto de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, Instituto de Pesquisa do Ministério do Comércio):

  • A cooperação econômica e comercial sino-africana foi enfraquecida nos últimos anos devido a problemas nos mecanismos de avaliação e compartilhamento de informações entre as partes interessadas relevantes. Os gargalos e barreiras institucionais encontrados pelos departamentos governamentais ao orientar a cooperação das empresas com a África não puderam ser resolvidos em tempo hábil, levando a problemas mais profundos. Devemos fortalecer ainda mais a construção de parcerias entre as partes interessadas nacionais relevantes, como governo, empresas, ONGs e instituições de pesquisa.

Xu Xiuli (Professora da Faculdade de Humanidades e Estudos de Desenvolvimento, Universidade Agrícola da China):

  • Como inovar nos mecanismos globais de fornecimento e governança de bens públicos tornou-se um desafio fundamental. A China deve dar um passo à frente e elevar a prática da cooperação sino-africana para o desenvolvimento de um novo paradigma de governança do desenvolvimento global, fornecendo novos mecanismos e soluções para questões de desenvolvimento e redução da pobreza para a maioria dos países e populações em desenvolvimento.

Hailong Yan (Professora do Instituto Tsinghua de Estudos Avançados em Humanidades e Ciências Sociais):

  • Sob a teoria do sistema-mundo de Wallerstein e o modelo de desenvolvimento de dependência, os projetos e investimentos de infraestrutura da China no exterior geralmente não causaram a desindustrialização local, mas se alinharam às metas de desenvolvimento dos países participantes. Assim, a ICR facilitou a transição de países periféricos para países semiperiféricos, mitigou ao máximo os efeitos desiguais do neoliberalismo e permitiu à China reduzir relativamente o caráter periférico de sua própria economia.

Liu Haifang (Professora associada, Escola de Estudos Internacionais, Universidade de Pequim):

  • A China é atualmente o país mais influente na África por causa de suas excelentes contribuições para a construção e fabricação de infraestrutura, mas os Estados Unidos ainda são considerados o melhor modelo de desenvolvimento para a África. Isso mostra que a China precisa aumentar seu "poder brando". A China deve concentrar-se em estudar e compreender as aspirações da África para um desenvolvimento independente e autônomo, assim como aumentar a sua consciência sobre a posição estratégica de África. Com uma prática mais refinada e aprofundada de cooperação ganha-ganha, o "poder brando" será fortalecido naturalmente.

Resumo:

Em relação ao caminho de desenvolvimento ideológico, China e África têm muito em comum. No entanto, não temos conduzido suficientemente bem a relação entre a China e África, o que levou a uma compreensão insuficiente das necessidades reais de África, a um comércio e outras formas de ajuda ineficazes. Não alinhamos as políticas domésticas africanas com as forças do mercado em jogo, causando má conduta por parte das empresas e entidades chinesas na África, levando ao perigo de inviabilizar os objetivos estratégicos nacionais africanos. Não lidamos adequadamente com a relação entre a China e outros grandes países fora da África, subestimando a ruptura, a contenção e até a supressão dos Estados Unidos e seus aliados. Isso afetou profundamente o bom desenvolvimento da cooperação sino-africana.

As atividades da China na África, e até mesmo o desenvolvimento da ICR, são muitas vezes sujeitas a um duro escrutínio ocidental e interpretações distorcidas. Não fornecemos uma forte liderança cultural no exterior, o que exige que construamos rapidamente um marco sistêmico de narrativas condutoras em futuras pesquisas e práticas sobre tópicos africanos. Na prática, precisamos nos concentrar em maneiras concretas de alinhar melhor as metas da ICR com as agendas de desenvolvimento e as necessidades dos países africanos.

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